A Medida Provisória – MP nº 905/2019, publicada no Diário Oficial da União de 12 de novembro, institui o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo e altera diversos dispositivos da legislação trabalhista. Na prática, é uma nova reforma trabalhista, aprofundando o que já foi feito pela Lei 13.467/2017, há dois anos em vigor.
Dentre as várias alterações propostas para o texto da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho destaca que há profundas mudanças sobre os procedimentos dos Auditores-Fiscais do Trabalho em suas atividades rotineiras de fiscalização. Profundas e equivocadas, quando não extremamente prejudiciais ao equilíbrio das relações de trabalho e lesivas aos direitos dos trabalhadores. Estes, por sinal, estão sendo totalmente desconstruídos pela MP 905/2019, em complemento ao que já foi efetivado pela reforma trabalhista de 2017.
Embargo e interdição
O texto da MP 905/2019 insiste em associar a autoridade diversa do Auditor-Fiscal do Trabalho a atribuição de embargar obras e/ou interditar atividades, setores, máquinas ou equipamentos em caso de grave e iminente risco aos trabalhadores. Ocorre que desde 2014 há decisão judicial que reconhece a autonomia do Auditor-Fiscal do Trabalho para decidir sobre embargos e interdições, em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em 2013, válida para todo o território nacional. Isso, pela óbvia situação de que o Auditor-Fiscal do Trabalho a testemunha ocular do fato e que a decisão deve ser tempestiva e imediata, sob pena de ocorrer tarde demais. Ou seja, depois que as tragédias acontecem. Essa já é a realidade fática e jurídica. Qualquer prática diferente disso será retrocesso.
Dupla visita
A dupla visita do Auditor-Fiscal do Trabalho a uma empresa é, atualmente, uma exceção. A redação dada ao artigo 627 da CLT, entretanto, torna regra esse procedimento, além de criar a visita técnica de instrução, previamente agendada com a Secretaria de Previdência e Trabalho. É uma interferência clara à autonomia do Auditor-Fiscal do Trabalho.
As regras elencadas na nova redação aplicam-se a cerca de 90% das empresas constituídas no Brasil. Para cada item em que se constate irregularidade trabalhista será obrigatória a dupla visita. Não poderão ser autuados os itens irregulares em saúde e segurança no trabalho que sejam considerados leves segundo regulamento a ser editado pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Os autos de infração aplicados poderão ser anulados caso não haja a dupla visita a uma empresa. As visitas deverão ter um intervalo de 90 dias entre elas.
Na prática, a dupla visita se revela um óbice à autuação diante da maioria das irregularidades trabalhistas constatadas pelos Auditores-Fiscais, visto que se tornará a regra e não a exceção. O trabalhador estará ainda mais desprotegido do que já se encontra hoje, com a fragilização da atuação da Auditores-Fiscais do Trabalho.
Projetos especiais
A redação do artigo 627-B propõe projetos especiais de fiscalização setorial a serem planejados em conjunto com outros órgãos diante de situações constatadas de alta incidência de acidentes ou doenças de trabalho. O papel da fiscalização será promover ações coletivas de prevenção e saneamento das irregularidades trabalhistas que levam à situação de acidentes e adoecimentos. Entretanto, não poderão ser aplicados autos de infração.
É mais um exemplo de desvirtuamento da fiscalização e impedimento da autuação em casos flagrantes de descumprimento da legislação de segurança e saúde no trabalho.
Perseguição
O §3º do artigo 628 diz que o Auditor-Fiscal do Trabalho será punido quando comprovada sua má fé. A redação está completamente solta, desvinculada de qualquer procedimento específico que caracterize a má fé.
Para o Sindicato Nacional, é um elemento de ameaça e perseguição funcional, para intimidar a ação dos Auditores-Fiscais do Trabalho.
Embaraço à fiscalização
O §4º do artigo 630, na prática, desobriga o empregador a apresentar os documentos necessários à fiscalização durante o curso da ação fiscal. Afirma que os Auditores-Fiscais do Trabalho deverão obter os documentos por meio de bases geridas pela entidade responsável, ou seja, bancos de dados. Está institucionalizado o embaraço à fiscalização, uma vez que o acesso a diversos bancos de dados não está, pelo por ora, garantido aos Auditores-Fiscais.
Conselho Recursal
O artigo 635 assegura ao empregador o recurso em segunda instância administrativa para quaisquer autos de infração admitidos em primeira instância. A segunda instância será formada por um Conselho Recursal Paritário Tripartite, com representantes de empregadores, trabalhadores e Auditores-Fiscais do Trabalho indicados pelo Secretário Especial de Previdência e Trabalho.
Esta é a volta da proposição do CARF trabalhista. Serão indicações políticas que emitirão, muito provavelmente, decisões politizadas, sem a isenção e a tecnicidade necessárias à análise dos autos de infração.
Além disso, no artigo 638 está prevista a vinculação das decisões à uniformização jurisprudencial, deixando de considerar as particularidades de cada caso.
Interferência externa
Todas as medidas elencadas são consideradas pelo SINAIT como interferência externa e indevida nas atividades da Auditoria-Fiscal do Trabalho. Em nenhuma delas está prevista a gestão direta da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho – SIT, que é o órgão diretamente ligado à organização, planejamento e execução das ações de fiscalização. Tudo é remetido para a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, de maneira burocrática e descolada da realidade cotidiana da fiscalização. A SIT é colocada numa posição subalterna, de mera cumpridora de ordens, sem autonomia.
Mais de 90% das ações fiscais serão enquadradas no critério das duplas visitas. Na grande maioria dos casos, os Auditores-Fiscais do Trabalho estarão impedidos de aplicar autos de infração e serão meros orientadores da legislação trabalhista, o que não é, absolutamente, a prioridade da Fiscalização do Trabalho. Para isso, as empresas têm assessorias jurídicas e contábeis que se encarregam de esclarecer como cumprir a lei.
A forma como todas as alterações estão propostas tem o claro propósito de intimidar o Auditor-Fiscal de cumprir integralmente o seu dever de proteger o trabalhador e garantir o cumprimento da legislação trabalhista e de segurança e saúde no trabalho. Punição por má fé, sem explicação clara do que seja a má fé, é uma ameaça aos Auditores-Fiscais do Trabalho.
Avança o projeto de enfraquecimento da Fiscalização do Trabalho que vem sendo colocado em prática por muitas vias. Extinção do Ministério do Trabalho, rebaixamento da SIT, “simplificação” das Normas Regulamentadoras, não realização de concurso público para recomposição do quadro de Auditores-Fiscais que se encontra extremamente defasado, reforma trabalhista que legaliza as irregularidades, entre outras medidas.
O SINAIT, em conjunto com entidades que representam carreiras cuja matéria prima é o Direito do Trabalho, articula reação à altura frente a mais este feroz ataque aos direitos dos trabalhadores e à Auditoria-Fiscal do Trabalho.
Diretoria Executiva Nacional do SINAIT – DEN